sábado, 1 de junho de 2013

ValorInveste: O futuro a você pertence

SÃO PAULO - 
Nos anos 60 e 70, a cultura pop celebrava a juventude de uma maneira visceral. Ser velho era percebido como uma espécie de pecado capital. Em 1965, os roqueiros da banda inglesa The Who bradavam: “Hope I die before I get old” (“espero morrer antes de envelhecer”), verso da canção “My Generation”, e milhões de garotos e garotas, hoje senhores e senhoras com mais de 60 anos, repetiam em coro, como se pudessem congelar aquela época. Uma famosa manifestação contra a velhice veio de Mick Jagger, na década de 70. No auge de seus 30 e poucos anos, o líder dos Rolling Stones declarava em alto e bom som: “Prefiro morrer a cantar ‘Satisfaction’ aos 45”.

Quase cinco décadas mais tarde, para muita gente, envelhecer ainda soa como um tabu. Mas a possibilidade de morrer relativamente jovem fica cada vez mais distante. De lá para cá, muita coisa mudou. Nos anos 60, a expectativa média no mundo era de se chegar aos 68 anos. Em 2012, vive-se, em geral, 79 anos, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os roqueiros que o digam. Hoje sessentões – alguns, setentões –, Stones e companhia ainda estão na ativa e celebram o bom e velho rock’n’roll com a mesma energia da juventude.
No Brasil, a longevidade também se faz mais presente, década após década. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos anos 70 vivíamos, em média, até os 59 anos. Na atualidade, a expectativa alcança os 73 anos. Ou seja, um ganho de quase 24% na média de vida no país.
Essa mesma geração que se embriagou de juventude, os chamados “baby boomers”, nascidos durante a forte expansão populacional logo após a Segunda Guerra Mundial, hoje protagoniza outra mudança cultural. Só que, desta vez, com base demográfica. Com o aumento da longevidade, esse numeroso grupo de pessoas chega aos 60 anos mais atuante que seus pais e com alto poder aquisitivo.
O especialista Alexandre Kalache, ex-coordenador do programa de envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) e presidente do Centro Internacional de Longevidade, criou um termo para classificar essa nova fase: é a “gerontolescência”, um intervalo de transição do período adulto para a efetiva velhice, que ocorreria de 15 a 20 anos mais tarde. “São pessoas que frequentam restaurantes, hotéis, viajam, compram brinquedos para os netos e têm apetite por experimentar novidades. E a gente está apenas começando essa revolução, que vai durar muito.”
Com tanto tempo extra, planejar o futuro torna-se um assunto primordial. Para coroar essa necessidade, a recente queda de juros e a consequente diminuição da rentabilidade dos investimentos fazem com que a aposentadoria tenha de ser um tema cada vez mais jovem. Isso porque, quanto antes a pessoa começar a poupar recursos, maior será a possibilidade de manter uma vida tranquila após parar de trabalhar.
O assunto, no entanto, longe de ser popular, é mais complexo do que parece e, para muitos, maçante até. Esbarra na falta de educação financeira do brasileiro médio, além de alguns conceitos equivocados e de uma cultura de décadas de renda fixa com rendimento fora da realidade internacional.
Para Kalache, o conceito de poupar vai além do plano financeiro. “É preciso também acumular recursos de saúde física e mental para o futuro”, diz. Em sua visão, tão importante quanto ter renda seria ultrapassar os 60 anos sem doenças crônicas ou fatores que limitem a autonomia da pessoa.
É o mesmo caso do dinheiro. Existe uma visão errônea de que viver a vida se contrapõe a juntar patrimônio (leia mais aqui). Não se trata de fazer sacrifícios ou passar apertos quando jovem só para usufruir a riqueza nos anos maduros. Da mesma maneira que uma dieta equilibrada não pressupõe deixar de comer bem, ou que uma rotina regular de exercícios pode conviver com momentos de relaxamento, acumular recursos e assegurar renda após o período produtivo significa investir no próprio bem-estar.
Desse modo, não caia na armadilha de achar que você precisa escolher entre ser um poupador exagerado que não aproveita a vida ou um gastador incansável que vive no limite das possibilidades (veja mais aqui). Primeiro porque a vida não é assim tão preto no branco. Segundo, é um péssimo momento para se prender a essa arapuca de consumo insustentável. Terceiro porque, a não ser em raríssimas exceções, simplesmente não há essa opção.
O retorno polpudo da renda fixa – de dois dígitos nos anos 90 e início de 2000 e, em média, acima de 6% reais ao ano até 2009 – continua fresco na memória dos brasileiros. “Esse prêmio relativamente alto que existia antes acabou se transformando na educação financeira do brasileiro ao longo das últimas décadas”, afirma o vice-presidente da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) e diretor-executivo de produtos de Investimento e Previdência do Itaú Unibanco, Osvaldo do Nascimento.
A partir de agosto do ano passado, no entanto, quando o Banco Central (BC) decretou o fim dessa época de “almoço grátis” e começou o ciclo de corte da taxa básica de juros (Selic), a história dos investimentos tomou outro rumo. No fim de outubro, a Selic estava em 7,25% ao ano, o que projetava juros reais – quando se desconta a inflação – de menos de 2% ao ano. Segundo Maria Eugênia Lopez, diretora do private banking do Santander, o ritmo de queda da taxa básica foi inversamente proporcional à velocidade que o investidor teve para absorver a consequência dessa mudança. “Muitos clientes têm um choque quando mostramos o impacto”, diz ela.
Mas o que mudou? Nessa nova era de retorno baixo, quanto mais se deixa para depois, maiores se tornam as dificuldades. Quando as aplicações de renda fixa garantiam juros reais acima de 6% ao ano, era fácil acumular o montante necessário para viver tranquilamente na aposentadoria. Até então, uma pessoa de 30 anos de idade, com renda mensal de R$ 10 mil, teria que reservar R$ 700 por mês (7% da renda), durante 35 anos, para continuar recebendo os mesmos R$ 10 mil durante 25 anos de aposentadoria (incluindo os R$ 3,9 mil do INSS), até os 90.
Se o prazo de economia fosse de 40 anos, o cenário seria ainda mais folgado. A renda de R$ 10 mil seria mantida e o montante acumulado iria aumentar mês a mês, ficando para os herdeiros. Os cálculos foram feitos todos em termos reais, ou seja, considerando a manutenção do poder de compra ao longo do tempo.
Agora que a taxa real de juros caiu para a faixa de 2%, o mesmo indivíduo, apenas para assegurar igual nível de renda de R$ 10 mil, se quiser compensar a diferença somente com tempo de contribuição, teria que economizar os mesmos R$ 700 por quase 50 anos, se aposentando aos 80. Caso queira fazer o ajuste apenas pelo tamanho da contribuição, seria necessário economizar 24% da renda, ou R$ 2,4 mil por mês, o que é bastante difícil mesmo para os mais disciplinados.
É possível também buscar uma combinação intermediária entre essas duas variáveis. Mas, em todos os casos, isso significa um sacrifício grande, de tempo e de contribuição. “A pessoa vai ter de reservar mais dinheiro para a aposentadoria. Não tem milagre”, ressalta o consultor sênior da área de benefícios da Towers Watson, Evandro Oliveira.
Grande parte das pessoas ainda não se deu conta da alteração radical de cenário. “A maioria já percebeu a mudança nos juros. Mas não as implicações disso para um futuro mais distante. Ainda não caiu a ficha”, diz o superintendente de gestão de patrimônio do HSBC, Gilberto Poso. Dados recentes divulgados pelo BC e pelo Fundo Garantidor de Créditos mostram que, diante da queda dos juros, os investidores estão buscando instrumentos mais simples, como a poupança.
Embora a caderneta possa ser competitiva em relação a fundos de investimento com taxas de administração acima de 1% ao ano, o especialista entende que a tradicional aplicação não serve como alternativa quando se forma uma reserva de longo prazo. E o motivo para isso tem a ver principalmente com a inflação, que no fim de outubro rondava a casa dos 5% ao ano, ante uma remuneração nominal pouco acima disso da poupança atual, o que torna seu rendimento real muito baixo no ano, de menos de 1%.
Tempo a favor: Pablo Moraes, 29 anos, contratou três planos para começar a receber daqui a 36 anos, período em que também investirá sozinho
O analista de sistemas Pablo de Castro Moraes, de 29 anos, faz parte de uma geração que começa agora a acumular patrimônio e, desse modo, é pouco afetada pela cultura dos anos de ouro da renda fixa. Por isso, nem se preocupa tanto com a mudança de patamar de juros. Desde o início, suas projeções já embutem um período maior de contribuição.
O jovem acaba de adquirir seu primeiro plano de previdência. Na verdade, contratou logo três. “Quis diversificar”, justifica. São PGBLs (Plano Gerador de Benefício Livre) com perfis bem definidos: um com alocação agressiva em renda variável e derivativos, outro mais moderado, focado em papéis de renda fixa privada, e um terceiro atrelado ao IPCA – indicador oficial de inflação.
Na perspectiva de Moraes, a meta é começar a receber os benefícios aos 65 anos, portanto após 36 anos de acumulação. Seus PGBLs, calcula, representarão 50% do salário de quando se aposentar, parcela que será complementada por investimentos em ações e fundos imobiliários, geridos por conta própria.
Como ainda está no início da acumulação, o analista faz aportes reduzidos, de apenas R$ 100 em cada plano. E, como tem poucos compromissos – é solteiro e mora com os pais –, sente-se mais livre para apostar em retornos maiores, consequentemente assumindo riscos equivalentes. “Para mim, a rentabilidade foi essencial para decidir quais produtos iria contratar. Na minha idade, posso ter aplicações mais agressivas”, diz.


De acordo com os especialistas, a saída menos custosa para compensar a queda da remuneração da renda fixa é diversificar a carteira de investimentos e buscar aplicações que ofereçam os mesmos 6% reais de outrora. Isso pode ou não ser associado a aumento de prazo e valor de contribuição, mas é praticamente inevitável a necessidade de investir em ativos como crédito privado, setor imobiliário ou ações. “As pessoas ainda se preocupam muito com curto prazo e liquidez. Agora temos de educar os investidores a focar em longo prazo e liquidez menor, mas que assegurem melhor remuneração”, afirma Oliveira, da Towers Watson.
A boa notícia disso tudo é que, com horizonte de longo prazo, é possível, sim, obter retornos maiores sem grandes riscos. Entretanto, quem olha o desempenho recente da bolsa pode ficar desanimado se o seu gerente ou planejador financeiro lhe recomendar investir em ações ou em fundos com grande alocação em renda variável. De 2011 até setembro de 2012, o Ibovespa apresenta queda de 14,62%, que se acentua para 22,75% com o efeito da inflação. Mas, de 1994 a setembro deste ano, o principal indicador da bolsa acumula ganhos reais de 346,23% (já descontada a variação do IPCA). “Correr risco não é pecado. Pecado é não saber o risco que se está correndo, não controlar esse risco”, reforça o diretor-presidente da Associação Brasileira das Entidades de Previdência Privada (Abrapp), José de Souza Mendonça.
Mais uma vez, é preciso levar em conta prazos mais esticados de investimento. “Olhando 15 ou 20 anos para frente, não faz sentido achar que o potencial da bolsa é menor ou igual do que foi nos últimos 20 ou 30 anos. Ele é superior, porque as empresas terão acesso a dinheiro mais barato, com custo de oportunidade menor”, diz Poso, do HSBC, ressaltando que somente em horizontes longos como esse é possível ter mais segurança para fazer afirmações deste tipo.
A história também referenda a aposta na renda variável como alternativa para melhorar a rentabilidade média de uma carteira. Segundo o especialista do HSBC, dados históricos dos Estados Unidos mostram que o retorno de aplicações em ações supera o de alternativas como renda fixa em cinco pontos percentuais. No Brasil, ele calcula que esse prêmio fique em torno de 5,5% a 6%. “Isso faz uma taxa anual de 1% a 2% em termos reais voltar para os 5% ou 6% ao ano”, afirma Poso, lembrando que, para isso ter efeito prático, é importante que o prazo de acumulação seja de, no mínimo, cinco anos.
Ajuste de foco: Marco Azimonte, 40 anos, trocou os planos de renda fixa por multimercados para fazer frente à queda de juros
Mudar a estratégia de rentabilidade e reforçar os aportes foram justamente as soluções adotadas pelo engenheiro Marco Azimonte, de 40 anos, para diminuir o impacto da queda dos juros em seu planejamento de aposentadoria. “Procurei fugir dos planos de renda fixa e busquei alternativas de multimercados que estão com rendimento bom. Com esse reajuste que fiz na minha carteira de planos de previdência, consegui driblar um pouco a questão da queda dos juros.”
Com mais de dez anos de contribuição, o engenheiro decidiu não mexer no prazo estipulado no início de seu plano. Ele quer começar a receber os primeiros benefícios aos 55 anos. Para diversificar a carteira e dividir os riscos, optou por contratar seis planos VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) com foco em ações, multimercados e fundos com maior exposição a LTNs de prazo longo, um papel de renda fixa sobre o qual o investidor ainda vê ganhos satisfatórios. “Espero que os VGBLs me proporcionem renda equivalente a 60% do meu salário atual. O resto virá do benefício do plano de previdência da empresa em que trabalho e do INSS”, conta.
Para acumular seu patrimônio previdenciário, Azimonte conta que não abdicou em nada do padrão de vida de sua família. Ele optou por juntar apenas a remuneração “extra”, em lugar de um percentual do salário. Desse modo, preserva o poder de compra de seu rendimento mensal. Como recebe bônus anuais da empresa, ele canaliza essa variável e praticamente todo o 13º salário para os VGBLs. “Acho que consigo cumprir o plano inicial, mas, se precisar, posso sempre mudar essa fórmula.”
Limite do bom senso
A estratégia de Azimonte chama a atenção sobre um ponto importante relativo ao impacto dos juros baixos no planejamento da aposentadoria: o equilíbrio entre disciplina financeira e o apelo do consumo. Ainda mais em um momento no qual a tentação do crédito farto e barato estimula o endividamento. “Essa é uma discussão muito relevante, porque afeta a família e o indivíduo no sentido de que se está gastando hoje o que pode fazer falta amanhã”, afirma o pesquisador Alexandre Kalache.
Na recomendação dos especialistas, os valores destinados à previdência devem ser “esquecidos” do orçamento do dia a dia. Se possível, descontados no momento em que se recebe o salário. Para emergências, o contribuinte deve ter uma reserva à parte alocada em aplicações de alta liquidez. Nesse caso, o que se busca é disponibilidade a qualquer momento (além da liquidez, é preciso poder resgatar sem se preocupar se o dia é bom ou não para sacar o dinheiro), estabilidade de retorno e segurança. “A rentabilidade é a que for possível nessas condições”, resume Poso, do HSBC.
Além dos juros baixos e da disciplina financeira, outro risco a ser considerado é o da longevidade. É básico assumir que o patrimônio acumulado tem de ser suficiente para cobrir o restante da existência da pessoa. Mas, com tempo de vida extra, o planejamento original pode não ser suficiente. Os juros mais baixos, por sua vez, trabalham contra e esticam essa necessidade de valores maiores para compensar os anos a mais.
Para Kalache, a experiência da longevidade é muito nova no país. “As pessoas acham que não vão viver, por exemplo, até os 90 anos. Mas estão alcançando com mais frequência até idades mais avançadas”, afirma. Essa expectativa de um período maior de usufruto da aposentadoria deve ser levada em conta no planejamento. Caso contrário, corre-se o risco de exaurir os recursos antes da hora.
O ex-coordenador do programa de envelhecimento da OMS lembra o caso do multimilionário carioca Jorginho Guinle, que herdou R$ 100 milhões, em valores atuais, e gastou tudo em uma vida de festas e glamour. Entretanto, sua fortuna acabou mais de uma década antes de morrer, em 2004, aos 88 anos. “Nunca me passou pela cabeça que viveria tanto”, afirmou ele, em sua última entrevista. Nesse período, segundo admitiu, contou com favores de amigos para se manter.
A perder de vista: Leandro Echenique, 33 anos, não quer parar de trabalhar, mas contratou um PGBL para dosar melhor o ritmo quando chegar aos 55
Se, por um lado, o aumento da expectativa e da qualidade de vida após os 60 anos exige que se junte mais, de outro, ajuda a pessoa a se manter produtiva durante tempo maior. O médico Leandro Echenique, de 33 anos, nem sabe quando vai parar de trabalhar. “Na minha profissão, atinge-se o auge entre os 50 e 60 anos”, afirma. Embora queira continuar ativo por um período maior do que a idade oficial para se aposentar pelo INSS, de 65 anos, no caso dos homens, o profissional não descuida da sua saúde previdenciária.
Há quatro anos, contratou um PGBL com alocação máxima em ações para aproveitar o benefício de desconto da contribuição na declaração anual do Imposto de Renda (IR). Como já usa o limite de 12% da renda tributável a que tem direito nessa modalidade de plano, planeja adquirir um VGBL, atrelado ao IPCA, para aumentar ainda mais os aportes com vistas à renda futura.
Como planeja continuar em atividade por um longo período, o plano atual começará a lhe pagar o benefício aos 55 anos. Para Echenique, a renda permitirá um ritmo mais adequado de trabalho, ao mesmo tempo que preservará o patrimônio. “Penso também em deixar parte desse total para meus filhos”, explica.
Na ópera previdenciária, o resumo segue um roteiro desafiador: vida (bem) mais longa, somada a queda nos rendimentos de aplicações,  resulta na necessidade de esticar o tempo de contribuição, aportar mais dinheiro ou arriscar mais para compensar o ganho menor. Todo esse esforço deve, ainda, garantir fôlego extra da renda para os anos vividos a mais do que aqueles estimados lá no início do planejamento. Isso se você não ganhar na loteria ou herdar uma fortuna. Embora, como mostram as histórias, muitas vezes nem mesmo os ricos escapam dos problemas decorrentes da falta de planejamento e da vida de cigarra.

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